Sons...
Músico de princípios morais sempre rígidos e presentes, Neil Young cedeu finalmente à tentação de editar um best-of. Após trinta e cinco anos de uma carreira recheada de momentos de fuga ao facilitismo e ao comercialismo, o canadiano permite que seja lançada uma compilação com aquelas que serão as suas músicas mais conhecidas. Na verdade, esta é a sua segunda compilação, depois da edição, em 1977, de Decade. No entanto, esse álbum funcionava como uma compilação tanto das “melhores” músicas de Young até essa data, como de vários inéditos e músicas apenas lançadas em formato single. É o próprio músico o primeiro a admitir, no booklet que acompanha este Greatest Hits, que os únicos critérios subjacentes à escolha das músicas que compõem este álbum são de natureza comercial, tais como o número de vendas de determinado álbum ou single ou o seu “tempo de antena”. Ironicamente, e apesar de ser considerado um dos melhores songwriters de todos os tempos, muitos falam no triunvirato Dylan-Springsteen-Young como os cantautores de referência máxima, Young nunca teve grandes êxitos comerciais: “Heart of Gold” foi a única música a chegar a nº 1 na tabela de vendas de singles e só mais dois singles chegaram ao top 40. Pouco para uma carreira de 35 anos e praticamente 40 álbuns, muitos deles verdadeiras obras-primas. Mas a verdade é que Neil Young nunca fez aquilo que dele era esperado. Um exemplo desta imprevisibilidade surge no início dos anos 70 quando, depois de se tornar, com o álbum Harvest, um artista comercialmente bem sucedido, Neil Young grava, dois anos depois, uma dupla de álbuns (Tonight´s the Night e On the Beach) negros, depressivos, pesados, ou seja, tudo aquilo que Harvest, na sua acústica tranquilidade e simplicidade, não era. Tonight´s the Night chegou mesmo a ser recusado pela editora de Young, que o considerava demasiado pesado e destinado ao falhanço comercial. Repleto de alusões às drogas, à morte (Young passava por um período conturbado da sua vida) e a todo o descontentamento de Young com o facto de ser, agora, um artista popular (“I'll find somewhere where they don't care who I am” – “Albuquerque”, Tonight´s the Night), o álbum acabou por, devido à intransigência de Young, ser editado e por, sem se tornar nunca um fenómeno de vendas, ser aclamado pela crítica como um dos melhores álbuns de todos os tempos. O momento mais representativo deste anti-comercialismo chegará, no entanto, em 1991 quando, na ressaca de uma tournée acompanhado pelos Sonic Youth, em plena explosão grunge, edita um álbum constituído por colagens de diversos momentos de diferentes actuações ao vivo. O que se ouve, ao longo de 35 minutos, é pouco mais do que feedback de guitarras, partes de músicas que acabam abruptamente e um ou dois versos cantados por Young.
Neil Young é hoje, para além de uma lenda, um músico de enorme e visível influência. A geração grunge sempre admitiu esta influência: os Pearl Jam, por exemplo, gravaram um álbum em conjunto com Young, o tão esquecido quanto excelente Mirrorbal e acompanharam-no na tournée subsequente; já Kurt Cobain usou um verso de Young na carta de despedida que escreveu antes de se suicidar (“It´s better to burn out than to fade away…”, “Hey Hey My My (Into the Black)”). Young vagueou ao longo da sua já longa carreira, por diferentes estilos musicais, mantendo apenas constante a sua característica voz próxima do falseto. Tão confortável a tocar jams eléctricas épicas com os seus Crazy Horse (banda que o acompanha nos momentos mais eléctricos) como a interpretar plácidas canções acústicas, a escrever intensas músicas de dois minutos (“The Needle and the Damage Done”) ou a prolongá-las até aos 9 minutos (“Cowgirl in the sand”) é com relativa surpresa que se verifica que um álbum deste tipo, que pretende retratar os melhores momentos de uma carreira tão longa quanto instável, funciona. As músicas são sequenciadas cronologicamente, abrindo o álbum, perversa e brilhantemente, com dois épicos (“Down by the River” e “Cowgirl in the sand”) que, juntos, perfazem um tempo total de quase 20 minutos. Seguem-se músicas que retratam os diferentes caminhos percorridos por Neil Young, desde o trovador hippie (“After the Goldrush” ou “Old Man”) à voz de uma América profunda e amargurada (“Southern Man”), passando pelo cantautor cravado de cicatrizes, arauto da morte e da escuridão (“Helpless”, “The neddle and the Damage Done”, “Hey hey my my (Into the Black)) e pelo defensor aguerrido de diversas causas sociais (“Rockin´ in the Free World”). Apesar de tudo, as omissões são demasiado evidentes, faltando aqui músicas da dupla de álbuns da fase negra (os já citados Tonight´s the Night e On the Beach), bem como músicas mais recentes, para além de “Powderfinger” ou “Cortez the Killer”.
Dirigido sobretudo a quem não está familiarizado com a obra de Young, o álbum acaba, ainda assim, por funcionar como uma excelente introdução à música do já lendário canadiano.
1 Comments:
Muitos parabéns a estes artigos de fundo do samgs. A ver se lá para o Inverno o começo a acompanhar, quando estiver com os pés ao lume e com paciência para me alongar mais sobre os textos.
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