quarta-feira, novembro 23, 2005

Cacifos



Ontem, tive mais uma profícua conversa com o meu amigo Baião. A dada altura falámos de cacifos. Eu disse-lhe "pois é, no meu curso cada aluno tem direito a um cacifo. Tenho o meu, mas está muito tristonho, gostava de personalizá-lo". O Baião não se conteve "O quê!!! Tu tens um cacifo?!?! Ainda não colaste um poster duma gaja nua na parte de dentro da porta? Estás à espera de quê?".
Realmente, senti-me um predestinado (um "special one"), com o poder de concretizar aquele que é o sonho de todos os homens. Só não temos posters de gajas nuas nas paredes dos quartos porque as nossas mães costumam entrar lá! Agora, o cacifo é um lugar sagrado, quase inviolável, é o equivalente aos diários ridículos que as miúdas escrevem enquanto são novas. Tinha mesmo que avançar. Tal ideia já me passou pela cabeça milhentas vezes, mas nunca tive coragem de a pôr em prática. No fundo, sempre apreciei os calendários «Pirelli» pendurados nas paredes das oficinas. É por isso que, nós homens, quando somos novos, temos aquela fase em que queremos ser mecânicos (e também porque os carros têm banco de trás). No meu entender, qualquer calendário que tenha uma mulher nua e diga "José Silva - Reparação de radiadores. 2006. Janeiro" é pura arte (arte "kitsch", mas ainda assim arte). Coloco-o ao nível de um cão de louça da cerâmica das Caldas, de um galo de Barcelos, de uma "Campbell´s tomato soup" do Andy Warhol. E é nisso que eu quero que a minha vida se transforme: num eterno dia-a-dia "kitsch", foleiro mas com estilo (ao jeito do "cool" do Tarantino).
Lembro-me de, em tenra idade, ver séries americanas como o Beverly Hills e o Parker Lewis e invejar aqueles tipos por terem um cacifo. Podiam ir ao cacifo todos os intervalos pentear-se, ver-se ao espelho, dar uma mirada à Sharon Stone, guardar a roupa suja da educação física de uma semana para a outra, esconderem lá droga e andarem permanentemente em sobressalto com o risco de serem descobertos e suspensos. E havia também a probabilidade da brasa da escola ter o cacifo mesmo ao lado do nosso. Enfim, o cacifo abre toda uma nova perspectiva de vida.
E aqui estou eu. Aos 23 anos tenho direito a um cacifo (só meu) e estou armado em menino, com problemas de colar um poster da Isabel Figueira em lingerie Triumph!
Portanto, ontem, quando me fui deitar, estava já decidido a seguir o conselho do Baião. A minha dúvida era só uma: colo a Isabel Figueira ou a Merche Romero (ou encho-me ainda mais de coragem e colo as páginas centrais da revista "Gina"?).
No entanto, hoje de manhã, e antes de realizar o meu desejo de criança, resolvi conferenciar com alguns colegas de curso. Disse-lhes o que pensava fazer. Enquanto lhes dava a saber o meu plano, fui imediatamente mandado calar. Disseram-me "Tu estás doido! Já viste se alguém descobre? Já viste se algum professor sabe disso?". Armei-me em Baião e respondi "Se algum professor sabe disso passa a vir ao meu cacifo todos os dias e sobe-me a nota. E inscrevo-os na mailing list do Baião para começar a receber, de imediato, umas coisas engraçadas. Pensam que os profs são algumas bichonas como vocês?
O que é certo, é que acabei por não colar o poster. Não sei se terei forças. Será que se alguém descobre serei expulso e não acabarei o curso? Será que passam a olhar-me como um tarado sexual que, Verão após Verão, se esconde atrás das dunas, munido com os binóculos, durante toda a santa tarde? Não será lícito que eu satisfaça um dos meus sonhos de criança?
No fundo, é só uma miúda em trajes menores na parte de dentro da porta do meu cacifo. É disso que se trata.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Lembrei-me de uma coisa. Será que o César Peixoto também tem um poster da Isabel Figueira nua, colado na porta do cacifo, lá no balneário do F.C.P.?

7:39 da tarde  

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