segunda-feira, agosto 01, 2005

Sons...




“Uma mistura entre Nick Cave e Tom Waits… mas com piores dentes!”. Assim se caracterizou Mark Lanegan, a si e à sua música, numa entrevista recente. Um dos filhos da geração grunge de Seattle, onde liderou o colectivo Screaming Trees, reconhecido pela crítica mas praticamente desconhecido do público em geral, na sombra de bandas como os Nirvana ou os Pearl Jam, Lanegan foi durante anos apontado como a “próxima estrela rock do firmamento grunge a morrer devido a "complicações" com drogas pesadas”. Mark Lanegan é um sobrevivente e parece ter incorporado na sua voz todos os fantasmas, medos e angústias de alguém que viu e viveu muito mais que o comum dos mortais. Profunda, ríspida e negra como uma alma anciã que tudo viveu e muito tem para contar, a voz de Mark Lanegan é uma das mais belas vozes de qualquer músico contemporâneo. Ouvi-lo é uma experiência inquietante, não só pela voz em si, mas também pelas letras, poéticas, depressivas, perturbantes e tão ou mais assustadoramente belas do que os sons produzidos pelas cordas vocais gastas por anos de consumo de álcool, cigarros e drogas.

Em 1990, Lanegan lança o primeiro álbum a solo, Winding Sheet, contando com a colaboração, entre outros, de Kurt Cobain. Bem recebido pela crítica, não alcançou, no entanto, qualquer tipo de notoriedade. Em 1994 edita aquele que é, provavelmente, o seu melhor álbum até à data: Whiskey for the Holy Ghost. Os contos de desgostos de amor, álcool e sonhos desfeitos atingem aqui uma enorme intensidade emocional. Lanegan transforma a folk e o blues clássicos em algo de novo, intenso e arrepiante. Quatro anos depois, é editado o álbum Scraps at Midnight, que segue o caminho traçado pelos álbuns anteriores, o blues assombrado e desesperado. Em 1999, edita um álbum de covers de músicas praticamente desconhecidas do grande público, velhas músicas blues, country e folk, I´ll Take Care of You. Em 2001, é editado o álbum Field Songs. A melancolia e a tristeza negra mantêm-se, explícitas em versos como: “The stars and a moon / Aren't where they're supposed to be / For the strange electric light / It falls so close to me / Love, I come to ride / High on that seasick rolling wave / And you know that I am / Just trying to get out / Oh the glorious sound / Oh the one way street / But you can't get / Can't get it down without crying”.

Já neste ano de 2004, Lanegan edita o seu sexto álbum de originais. Pela primeira vez creditado à Mark Lanegan Band, que inclui, entre outros, Josh Homme e Nick Oliveri (Queens of the Stone Age), Duff McKagan e Izzy Stradlin (ex-Gun´s N´Roses), Greg Dulli (Afghan Whigs) e PJ Harvey, Bubblegum parece tentar conciliar as atmosferas nocturnas dos seus trabalhos a solo anteriores com o rock mais agressivo das bandas por onde passou (os já referidos Screaming Trees e os Queens of the Stone Age). É assim um álbum mais duro e sujo, graças sobretudo a Josh Homme, principal colaborador de Lanegan neste álbum, participando nos arranjos de todas as canções.
O álbum abre com uma típica música de Mark Lanegan, negra e sombria, com um piano niilista e uma letra sublime: “Did you call for the night porter? / You smell the blood running warm / I stay close to this frozen border / So close I can hit it with a stone / Now something crawls right up my spine / That I always got to follow / Turn out the lights / Don't see me drawn and hollow / Just blood running warm / No one needs to tell you that / There's no use for ya here anymore…”. Tão honesto que chega a magoar… Segue-se o primeiro dueto com PJ Harvey, “Hit the City”, a primeira música declaradamente rock da carreira a solo de Mark Lanegan: intensa, distorcida, brilhante. Estas duas músicas iniciais estabelecem o padrão que rege o resto do álbum: o “velho” Lanegan, melancólico, negro, doloroso por um lado e a intensidade e vertigem das guitarras por outro. Num excelente álbum, sólido e sem grandes pontos fracos, destacam-se, para além das duas músicas supra-citadas, “Come to Me”, segundo dueto inebriante com PJ Harvey, sexy, lenta e hipnotizante ou “Wedding Dress”, declaração de amor demente e doentia ("Will you be shamed if I shake like I'm dyin' / When I fall to my knees and I'm crying? / Will you visit me where my body rests / Will you put on that long white dress?”) que só a voz de Lanegan poderia tornar credível. E o que dizer das musculadas e ameaçadoras “Sideways in Reverse” e “Death Valley Blues”? E a belíssima “Head” ou a curta “Bombed”?…
Quando, numa outra entrevista, perguntaram a Mark Lanegan se a escrita deste álbum o ajudou a adormecer alguns dos demónios que o atormentam, uma voz profunda e rouca respondeu: “Não, mas acordei mais alguns…”.

1 Comments:

Blogger noone said...

entrevista pra qual revista?

4:48 da manhã  

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