domingo, fevereiro 12, 2006

Scorsese inspirou-se em Baião para criar personagem de Taxi Driver

Martin Scorsese irá lançar um livrinho de memórias muito em breve. Eu já tive oportunidade de o ler, porque o Marty (é assim que gosta de ser tratado pelos amigos), envia-me sempre tudo o que escreve para eu lhe dar a minha opinião, pois sempre confiou cegamente em mim. Já enviei a cópia de volta e escrevi uma nota “Marty, parabéns, estas memórias estão muito porreiras. Podes publicá-las.”

A páginas tantas, o Martin fala dos seus primeiros tempos: “Depois de realizar Alice doesn´t live here anymore, atingi a notoriedade. Senti que os holofotes estavam focados sobre mim e sobre o meu filme seguinte. Não podia falhar o meu próximo passo. Cerquei-me então dos meus mais fiéis colaboradores e, particularmente, de um português em quem confiava plenamente, Filipe Moreira”.

Pois é, estávamos então em 1974. O Martin havia começado a escrever o guião do que viria a ser Taxi Driver. Eu andava por Nova Iorque nessa altura. É por isso que em Portugal só existem registos meus a partir de 1982. Dizendo a verdade, eu até era para estar em Londres com os Led Zeppelin, mas à última da hora o Jimmy Page deixou-me a seguinte mensagem no atendedor de chamadas: “Filipe, espero que ainda não estejas a caminho de Londres. Afinal a malta decidiu ir gravar o Houses of the Holy a Nova Iorque. Não falhes. Sem ti a tocar harmónica o álbum vai ficar uma merda!”. Foi assim que fui parar à cidade que nunca dorme.

Nesses dias, eu e o Marty costumávamo-nos encontrar no Sal´s Famous Pizzeria, um restaurante italo-americano que viria a ser imortalizado por Spike Lee no seu filme Do the right thing. O restaurante acabou por ser vandalizado por pretos, mas foi ali que escrevemos a quase totalidade do guião de Taxi Driver. O Marty queria que a personagem principal fosse um veterano do Vietnam, às voltas com os horrores da guerra. Martin Scorsese queria também que esse personagem se chamasse Travis e fosse taxista, mas não benfiquista, para fugir à vulgaridade. Foi então que me lembrei do Baião e desenvolvemos o personagem em torno da sua pessoa. Até hoje, nenhum crítico de cinema conseguiu estabelecer essa relação mas, naquela cena de antologia em que Travis convida Betty para ir ao cinema e leva-a a ver um filme pornográfico, são mais que muitas as afinidades do personagem com o meu amigo Baião. Mas o Marty desenvolverá esta curiosidade nas suas memórias.

Foram bons tempos. Taxi Driver viria a alcançar o sucesso à escala mundial, ganhando mesmo a Palma de Ouro em Cannes. Perdeu apenas o Óscar de melhor filme para Rocky. Bem, mas Rocky é um colosso. Aquele final em que Stallone, depois do combate com Apollo Creed grita “Adrian, Adrian, Adrian” é pungente.

Mas nem tudo foram rosas no “making of” de Taxi Driver. As piores recordações que guardo são de Joe Pesci. Ele também costumava frequentar o Sal´s Famous Pizzeria e importunava constantemente o Marty para que este lhe arranjasse um papel nos seus filmes. O Marty recusava sempre. O Joe ripostava e respondia “Go fuck your mother” e de seguida dáva-nos uma carga de porrada. Mas também não era vergonha nenhuma. O Joe era uma coisinha ruim, um gajo do diabo. Uma vez, o Muhammad Ali entrou lá no restaurante para beber um café. O Joe Pesci não gostou que o boxeur não tivesse dito “bom dia” aos presentes e desancou-o de porrada. Só mesmo o Macaulay Culkin é que o conseguiu domar em Home Alone.

O Joe Pesci lá acabou por conseguir o seu papel num filme de Martin Scorsese, anos mais tarde, 1980, em Ragging Bull, lançando-se numa carreira de sucesso.

Foram bons tempos. Nessa altura namorava com uma pequenita que frequentava o quarteirão. Era loirita. Já não me recordo do seu nome de baptismo. Eu tratava-a por honey-bunny. Dizia-lhe que um dia teria um papel num filme do Marty. Havia de lhe escrever um argumento. No fundo, era tudo conversa. Era assim que eu as conquistava, prometendo-lhes coisas. Passados uns tempos acabámos. Mas ela veio mesmo a participar em Gangs of New York. É a Cameron Diaz. Mas não é o verdadeiro nome dela. Eh pá, mas agora não me lembro mesmo do outro nome…


Site Counter Hit Counter