A voz. A voz era, provavelmente o maior instrumento de Jeff Buckley. Considerado por muitos um dos melhores vocalistas de todos os tempos, foram várias as músicas de outros artistas que interpretou e tornou suas, graças a uma capacidade incomparável de cantar, de se deixar levar pela música, pelas palavras, pela melodia e… cantar, simplesmente cantar. Tecnicamente, diz-se que a voz de Jeff Buckley é superior à de tenores, como Pavarotti, mas dizer isso é pouco ou nada, é preciso ouvi-la e senti-la.
Desconhecido por muitos, adorado por outros, Jeff Buckley lançou apenas um álbum, antes de ter a sua carreira, e vida, tragicamente interrompida, o quase mítico “Grace”. Lançado em 1994, este álbum elevou Jeff Buckley à categoria dos génios, ao panteão daqueles músicos iluminados que atingem com cada palavra cantada a alma daqueles que os ouvem. Poucos álbuns existirão como “Grace”, intemporais, de uma musicalidade extrema, grandes músicas, enormes letras, e aquela voz. É impossível definir “Grace”, enclausurá-lo num rótulo sempre demasiado limitador: não é rock, não é folk, não é pop, não é jazz, blues ou soul… não é nada disto e, ao mesmo tempo, é tudo isto e muito mais.
Duvido que alguém consiga ouvir uma música como “Lover, you should´ve come over”, prestar atenção à letra (“…It´s never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder; it´s never over, all my riches for her smiles when I slept so soft against her; it´s never over, all my blood for the sweetness of her laughter; it´s never over, she´s the tear that hangs inside my soul forever…”) e não se sentir tocado por algo incomparavelmente superior. Ou “Last Goodbye” dedicado a uma ex-namorada, ou ainda a brilhante versão de ”Hallelujah”, de Leonard Cohen, ou ainda “Grace” e “Eternal Life”, a única música que se alimentará de ódio, “dedicada” a toda a hipocrisia que vai reinando e arruinando este mundo (“… and as your fantasies are broken in two, did you really thing this bloody road would pave the way for you, you better turn around and blow your kiss goodbye to life eternal…”).
Agora, 10 anos depois do lançamento da versão original, aproveita-se a data para a edição de uma edição especial (“Legacy Edition”), que acrescenta ao álbum original um segundo CD, com diversas músicas originais nunca antes editadas, covers e versões alternativas ou ao vivo de músicas do álbum original, e um DVD, com diversos videoclips e um documentário sobre a gravação e escrita de “Grace”. Destes “extras” destacam-se, no 2º CD, a belíssima “Forget Her”, excluída no último momento do álbum “Grace”, por ser demasiado pessoal e reveladora, o exercício soul que é “I want someone badly”, e a versão de “Mama, you been on my mind”, escrita por Bob Dylan, uma das maiores influências de Jeff Buckley.
“Grace”, único álbum editado em vida por Jeff Buckley, é, assim, um documento extraordinário de um músico de talento quase incomparável e de enorme alma. É um álbum verdadeiramente histórico e que deve figurar nas "colecções" de todos aqueles que gostam de música. Só é de lamentar que um talento destes não tenha tido tempo para nos maravilhar com mais música e que todas as “novidades” que agora vamos ouvindo em seu nome sejam fruto de uma exploração e edição desalmada de todas as gravações que tenham inscritas as palavras “Jeff Buckley”. É caso para perguntar: teria Jeff Buckley, se ainda estivesse vivo, alguma vez aprovado a edição de todas estas “novas” músicas e álbuns?
Este álbum devia vir acompanhado de uma nota: “Aconselha-se precaução na audição deste disco: vários são os relatos de pessoas que referem nunca mais terem sido as mesmas depois de este conjunto de sons lhes ter trespassado a alma. Audições repetidas e atentas podem provocar dependência, choro, melancolia, vontade de amar, ser amado, abraçar e ser abraçado. Não se aconselha a sua audição a indivíduos fracos do coração mas todos aqueles que têm um coração e uma alma deviam ser obrigados a ouvi-lo de olhos fechados, na escura solidão da noite”. Afinal há neste mundo coisas realmente belas.